O gesto é nulo

O gesto é nulo
no espaço livre da mão.
Nulo como o poema
que nulo insiste
na trajectória suicida.
O gesto é nulo
sempre será nulo
entre o olhar e o objecto.
Sempre será nulo
entre a cama e o corpo.
O gesto é nulo e nele
se conclui um aceno interceptado
como ave abatida
num vôo sem volta.


O gesto é nulo
como é nulo
imaginar que a poesia possa
interceder sem saber em quê.
Nulo o gesto atravessa o gesto
e se perde nas residências antigas
das pombas que não existem mais.


O gesto nasce do gesto
quando se constrói
num sinal imperceptível.
A mão escorre pelos azulejos
como vítima de um crime
e desliza pelos rodapés
como insetos cruéis.
Sem o gesto a mão não é mão.


Sem a mão o gesto se anula
e nulo o gesto não se faz.
O gesto é nulo dentro da casa
onde as pessoas morrem
nos porta-retratos.
O gesto é nulo
na sala de estar
onde não há mais ninguém.

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